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Quem foi a primeira mulher em fazer o Caminho de Santiago?

REBECA CORDOBÉS

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Jimena de Astúrias, com seu marido, o rei Afonso III.
Jimena de Astúrias, com seu marido, o rei Afonso III. WIKIPEDIA

Os especialistas avisam que a falta de documentação impossibilita dar uma resposta clara à pergunta, da mesma forma que acontece com o primeiro peregrino

23 sep 2022 . Actualizado a las 15:10 h.

Jimena de Astúrias, Matilde de Inglaterra, a infanta Urraca... São vários os nomes das que puderam ser pioneiras nas rotas jacobeias. No entanto, os especialistas concordam em assinalar que, como no caso dos homens, a falta de documentação da época impossibilita dar um nome à primeira peregrina que se ajoelhou perante a campa do apóstolo. Embora esta parte da população seja agora maioria nas estatísticas do balção do peregrinorepresentam 52% das compostelas emitidas no primeiro semestre—, a pergunta fica no ar, como o bota-fumeiro cada 25 de julho: Quem foi a primeira mulher em fazer o Caminho de Santiago?

«Saber quem foi a primeira mulher que fez a peregrinação jacobeia é uma tarefa muito difícil, para não dizer impossível, porque uma coisa é ser a primeira mulher peregrina, outra é ser a primeira com nome conhecido e inclusive, uma terceira, "o que é suposto ser fazer o Caminho"», explica o diretor do Centro de Estudos do Românico na Fundação Santa María la Real e membro da Comissão dos Caminhos de Santiago em Castela e León, Jaime Nuño González. «Sem dúvida que, desde o primeiro momento, após o descobrimento da campa de Santiago, haveria mulheres que fossem a Compostela, embora o lógico é pensar que primeiramente o fizeram mulheres da zona», acrescenta.

María Josefa Sanz Fuentes, catedrática de Ciências e Técnicas Historiográfica na Universidade de Oviedo, concorda em apontar para «peregrinas anónimas que foram até Compostela a partir do momento em que se descobriu a campa», mas lamenta que nunca se chegue a saber o seu nome: «As referências que vamos tendo provêm de documentação medieval, e muito escassas, falando sempre de mulheres nobres, de rainhas».

Qual é o primeiro nome? A publicação As mulheres da Idade média e o Caminho de Santiago de Marta Vázquez González indica Jimena de Astúrias, esposa de Alfonso III, como a primeira em ter peregrinado até Santiago, visto que aparece como acompanhante do seu marido numa viagem que teve lugar no ano 899. «As fontes são tardias, visto que sabemos por cópias de documentação, mas pode se ajustar bastante ao que ocorreu. É certo que ainda não havia uma peregrinação com a forma de a entendermos agora, mas Jimena foi certamente a primeira da qual temos registo duma viagem devocional a Compostela», explica o professor de História Medieval na UNED de Pontevedra, Xosé Sánchez.

O primeiro nome estrangeiro aparece em 1065: a condessa Richardis, esposa do conde alemão Sigfrido de Sponheim. Também figuram, já no princípio do século XII, Santa Paulina de Fulda e a infanta Dona Urraca, em 1110. Adeline Rucquoi, membro do Comité Internacional de Especialistas do Caminho de Santiago, indica que a mais conhecida é Matilde, filha do rei Enrique I de Inglaterra: «Ficou viúva do imperador de Alemanha e decidiu peregrinar até Santiago no ano 1125, antes de voltar para Inglaterra».

Matilde de Inglaterra.
Matilde de Inglaterra. WIKIPEDIA

«O mesmo ocorre com os homens»

A falta de nomes próprios de mulheres não é devida a nenhum viés de género, avisam os especialistas. «O mesmo ocorre com os homens, para os quais não temos nome próprio até ao ano 950, quando faz a peregrinação o bispo Godescalco de Le-Puy-en-Velay», explica Nuño González. Embora Alfonso II seja considerado o primeiro peregrino de acordo com a tradição, visto que mandou construir a primeira basílica após ter ido a Santiago conferir a descoberta da sepultura do apóstolo, «não figura em nenhuma documentação», esclarece o professor de História Medieval na UNED de Pontevedra, Xosé Sánchez.

«Até agora sabemos que o primeiro nome documentado é um anónimo eclesiástico alemão, anterior ao famoso Gotescalco, bispo de Le-Puy-en-Velay, que peregrinou até ao santuário de Santiago de Compostela a meados do século X», conta o investigador do Instituto de Estudos Galegos Padre Sarmiento, Carlos Andrés González Paz.

A que é devida então a falta de documentação? «Agora a peregrinação parece-nos algo digno de ser historiado, mas na altura era um facto muito comum e o único rasto documental "massivo" não foi encontrado até existirem registos de hospitais de peregrinos ou, já depois do Concílio de Trento, os livros paroquiais», explica María Josefa Sanz Fuentes.

«Os documentos são fundamentalmente eclesiásticos e aí não costuma haver referências deste tipo. Conhecemos as viagens das altas personagens porque podem aparecer em algum documento das suas respetivas chancelarias. O povo, homens ou mulheres, é completamente anónimo, pelo menos até ao século XII», acrescenta Nuño González.

A questão estamental parece estar por trás do anonimato das primeiras pessoas que fizeram o Caminho de Santiago, sejam elas homens ou mulheres. «É provável que a primeira mulher tenha sido galega, alguém dos arredores do monte Libredón e que tenha ido venerar a recentemente descoberta sepultura atribuída a Santiago; apesar de não termos registo dessa presença», conclui Xosé Sánchez.